quinta-feira, 14 de agosto de 2008



A questão da naturalização dos luso-americanos como cidadãos americanosMaria Helena Carvalho dos Santos

Como é que ao longo de mais de um século de emigração,
os portugueses ou luso-descendentes procedem
sociologicamente entre uma cultura portuguesa
e uma cultura americana? - Análise através dos
jornais escritos em português nos E. U. A



Esta questão, que venho estudando sob o título genérico de os jornais escritos em português nos Estados Unidos da América e que me preocupa há largos anos, é demasiado vasta para ser aqui completamente tratada.
Por isso, decidi trazer aqui um texto construído sobre uma investigação recentíssima e que decorre apenas sobre a análise de um jornal durante a última semana, isto é, sobre o último número do Portuguese Times editado em New Bedford, Mass de que é director Manuel Adelino Ferreira. Iremos manter a metodologia usada em outros trabalhos, seleccionando problemáticas. As nossas fontes são essencialmente os jornais, ou melhor, neste caso, apenas um jornal constituirá o nosso corpus documental. Vale a pena tentar a experiência. As conclusões parecem prometedoras no avanço possível do conhecimento das questões da emigração.
Assim, iremos debruçar-nos sobre o PORTUGUESE TIMES., e especialmente a sua edição on line nº 1557 de 25 de Abril de 2001, site www.portuguesetimes.com,.
Sabemos, de anterior investigação, que o jornal foi lançado por Augusto Saraiva e António M. Silva em 1971e que mantém a sua edição em papel às quintas-feiras e que deverá ser hoje o jornal escrito em português que mantém a melhor página na internet, com as seguintes secções: Artes e Espectáculos; Crónicas; Desporto; Gazetilha; Informação Útil; Comunidade; Culinária; Escreva Connosco; Horóscopos; Portuguese Beat; Telenovela e uma secção específica para Rhode Island da responsabilidade do correspondente Augusto Pessoa.
A edição on line é patrocinada pelo Instituto Açoriano de Cultura. Os jornais escritos em português nos EUA proliferaram desde 1880 em todas as regiões onde se instalaram colónias de emigrantes portugueses nas duas costas do continente americano , como já escrevi.
Quando em 1971 nasceu o PORTUGUESE TIMES, na região de New Jersey, parecia que iria disputar com o LUSO-AMERICANO o mesmo espaço e os mesmos leitores.
Mas estes jornais e muitos outros que foram aparecendo encontraram os seus próprios públicos para as suas tiragens de cerca de 10.000 exemplares na maior parte dos casos apoiados pela publicidade e por uma ligação entre Portugal, os emigrantes e as questões de quotidiano que lhes dão uma credibilidade e uma utilidade que os manteve ao longo de anos. Naturalmente uns foram desaparecendo outros nasceram e mantêm-se.
Retornemos à nossa questão: Como é que ao longo de mais de um século de emigração, os portugueses ou luso-descendentes procedem sociologicamente entre uma cultura portuguesa e uma cultura americana?
A primeira ideia que parece dominar todo o articulado do jornal corresponde à contaminação que a cultura americana exerce sobre os emigrantes relativamente a uma prática associativa e a uma prática política revista a modalidade que revestir. Aqueles que saíram de Portugal antes da década de 70 ou mesmo depois não levavam essa prática na sua bagagem cultural mas depressa verificaram e usufruíram das suas vantagens. Assim o comportamento dos emigrantes alterou-se e eles construíram longe de Portugal uma sociedade, uma comunidade e uma solidariedade cívica que não tinham tido ocasião de viver na sua terra de origem.
E também construíram uma ideia política e uma ideia da DEMOCRACIA.
Assim fundaram colectividades, Uniões, Clubes e Jornais e passaram de uma
mentalidade individualista a uma mentalidade de convivência solidária e de defesa dos seus direitos. Criaram uma ideia de CIDADANIA. E instalava-se uma dupla personalidade entre a tradição e a esperança. O encontro e participação com outros portugueses-emigrantes parecia-lhes uma aproximação ao seu Portugal distante, que viviam cheios de saudades ... mas na verdade, parece-me, eles distanciavam-se de Portugal porque estavam a criar uma nova maneira de viver e integravam-se numa outra sociedade. Inventavam outros VALORES.
Os portugueses-emigrantes só tinham conhecido DEVERES e passaram a ouvir falar de DIREITOS. Parecia-lhes uma relação de Deve/Haver. Também não conheciam, antes da longa viagem, os valores da liberdade e da democracia, mas em breve iam construir uma ideia de CIDADANIA, mesmo que nuns primeiros tempos tudo tivesse sido
muito difícil nesse dobrar dos séculos, entre os séculos XIX e XX- quando as crises foram muito profundas no mundo do trabalho operário (foi o tempo das lutas laborais das 8 horas de trabalho dos sindicatos e das greves - questões aparentemente alheias aos emigrantes portugueses, mas que lhes batiam à porta, mesmo quando pretendiam fechar-se a essas novidades). E de novidade em novidade - passaram a viver em outro mundo, que os absorveu - e não os deixa regressar NUNCA. Por as mais diversas razões. Então, se este raciocínio e estas conclusões estão correctos, devemos comprová-lo em uma qualquer edição de jornal. Hoje escolhemos o PORTUGUESE TIMES e a sua edição de 25 de Abril de 2001 – da última semana, portanto.
Neste número do jornal, como em todos os outros que estão à minha e à vossa disposição e que nos propusemos analisar, encontramos diversos artigos que vêm responder às nossas questões Mas iremos reter para esta exposição oral apenas uma questão da maior importância : a questão da naturalização dos luso-americanos como cidadãos americanos. E iremos encontrar essa questão através de uma entrevista concedida ao PORTUGUESE TIMES por uma Senhora, Dra. Fátima Martins.

- Quem é Fátima Martins? É do PORTUGUESE TIMES que retiramos as respostas. Fátima Martins é natural de São João, ilha do Pico, Açores. Veio para os EUA em 1968. Trabalhou em fábricas, ao mesmo tempo que tirou cursos nocturnos. Licenciou-se em gestão de negócios e informática. É analista dos sistemas informáticos para o Estado de Massachusetts. A sua acção junto da comunidade tem sido meritória a todos os níveis, principalmente junto do núcleo português radicado na área de Boston. Tem feito parte das comissões das celebrações do Dia de Portugal da área consular de Boston. Tem integrado as mais diversas comissões de angariação de fundos incluindo para a Universidade Católica Portuguesa e para os sinistrados dos Açores. Há sete anos lançou o programa de televisão PACTV, hoje intitulado Aqui fala-se português, dedicado inteiramente a assuntos comunitários. Independentemente da sua acção em prol da naturalização dos portugueses radicados nos EUA a sua actividade vai mais longe e, principalmente no caso específico da ajuda à Filarmónica "Recreio dos Pastores" de São João, ilha do Pico, para a qual angariou fundos destinados à compra de 35 instrumentos para aquela prestigiosa banda. Mas a sua coroa de glória é o movimento Cidadão 2000 Citizens, cuja acção em prol da naturalização dos portugueses esteve na origem da justa e merecida homenagem levada a efeito no salão da igreja de Santo António, em Cambridge.
Mas se a sua acção foi notória no âmbito da naturalização não o foi menos junto da igreja e desta no que diz respeito ao ensino da catequese que chamou à sua responsabilidade com êxito absoluto.

O PORTUGUESE TIMES dá destaque à questão da naturalização e escreve que em Stoughton e Hudson já ninguém é eleito sem o voto português.
Esta é uma questão velha e importante - nunca resolvida e a que se volta de tempos a tempos de acordo com as circunstâncias. Desde o tempo da 2ª Grande Guerra que este foi um dos temas do LUSO-AMERICANO e que agora podemos seguir já não apenas como matéria jornalística e teórica, mas já colocada na prática e enquadrar comportamentos políticos e ambições de lideranças.
Retornemos à nossa heroína, Fátima Martins, que tem sido o fulcro das atenções no mundo comunitário do norte do Estado. O seu poder de iniciativa já não é novo.
Acompanhou-a desde a pacatez da sua origem, no Pico, até ao movimento desenfreado da área de Boston. As cidades de Cambridge e Somerville, com uma vasta comunidade lusa, cedo se aperceberam que Fátima Martins muito teria a dar de si própria como forma de projectar as nossa gentes, escreve o jornal a introduzir a questão.
Porquê tanto entusiasmo em naturalizar e registar oficialmente a comunidade portuguesa de modo a ter direito de voto?
A resposta é óbvia: Porque o voto é uma das apostas da comunidade. É votando que a comunidade pode ter voz activa (escreve o jornal).
Ela é identificada como uma “...Voz activa na educação dos filhos e filhas, na manutenção da língua de origem, nos seus direitos de contribuintes, no acesso a um sistema de saúde digno, enfim, em tudo o que diga respeito à administração pública” pode ler-se numa crónica de Caetano Valadão Serpa, publicada no Portuguese Times , sobre Fátima Martins. Analisemos, então, uma entrevista de Fatima Martins publicada no número do PORTUGUESE TIMES que vimos seguindo. Transcreve-se:
Portuguesa Times - Porquê o envolvimento na campanha "Cidadão 2000"?
Fátima Martins - Já há muitos anos que venho fazendo o registo de eleitores para a cidade de Cambridge. Em 1996 organizei aulas para ajudar as pessoas, no sistema de naturalização. Quando surgiram os problemas da assistência pública a afluência foi enorme, mas aos poucos as pessoas foram-se mentalizando que isso seria uma das muitas razões para o qual era necessário tornar-se cidadão americano. A campanha "Cidadão 2000 Citizens" está enquadrada dentro de todo este sistema, visando, tal como o próprio nome indica a naturalização dos portugueses.

Portuguesa Times - Porquê e neste caso específico de uma senhora (o que não é muito vulgar) tomar uma iniciativa como tem sido a campanha "Cidadão 2000 Citizens”?
Fátima Martins - Temos de ter em conta que muitas das vezes são as senhoras que organizam muitas das festas dos clubes, se bem que nos bastidores das organizações.
Tenho tido uma outra perspectiva de actividade em algo em que acreditei e fiz todos os possíveis em avançar pondo de lado o facto de ser homem ou mulher.
Posso concluir dizendo que as mulheres também são capazes destas iniciativas, se bem que muitas vezes sem receber os créditos a que têm direito.Desde muito jovem que os meus pais me incentivaram a fazer aquilo em que acreditava.

Portuguese Times - Foi a primeira senhora portuguesa a candidatar-se à Comissão Escolar de Cambridge...
Fátima Martins - Foi uma experiência que me agradou imenso, embora não tendo sido eleita recebi grande apoio, quer da comunidade portuguesa e mesma americanos para concorrer novamente. Feita uma avaliação podemos concluir que sendo a minha base portuguesa não tinhamos votos suficientes para eleger ninguém. Foi precisamente nessa altura que eu concluí que os portugueses não estavam naturalizados o que despertou em mim o interesse em arrancar com uma companha que levasse a comunidade a essa importante finalidade.
Tem sido muito gratificante ver a alegria com que os portugueses obtêm a cidadania americana.

Portuguese Times - Qualquer candidato luso-americano que concorra a um cargo político corre o risco de não ter votos lusos suficientes para poder ganhar?
Fátima Martins - Temos aqui duas coisas a considerar. Primeiro, será que temos votos suficientes?
Depois temos um outro problema que é o levar as pessoas a votar A geração mais antiga pensa que o voto não tem importância Muito do meu trabalho tem sido precisamente alertar para a importância do voto. Porque se deve votar? Porque é que o voto é importante? Qual é o poder do voto? Tem sido um trabalho de educação. Não é só naturalizar as pessoas é preciso levá-las a votar É preciso fazê-las acreditar na democracia. Este recente caso da Flórida é um bom exemplo se o voto conta ou não conta(referência às últimas eleições para Presidente).

Portuguese Times - Acha que todo este seu esforço tem dado frutos ao nível da comunidade?
Fátima Martins - Tem dado muitos frutos. Temos naturalizado muita gente e não é só na nossa área, mas através do estado em que tem havido uma consciencialização.
Já temos comunidades em que já ninguém é eleito sem o voto luso-americano. Isto é muito importante e direi mesmo ser mais importante do que eleger luso-americanos. Desde que tenhamos o peso do voto as pessoas têm de nos escutar Em Stoughton e Hudson já ninguém pode ser eleito sem o voto português.


Portuguese Times - Acha que esta sua acção ultrapassou Massachusetts?
Fátima Martins - Não tenho a menor dúvida. Cheguei a enviar formulários para a Califórnia. Pessoas que me viram na RTPI com o Júlio Isidro. Que tiveram conhecimento de nós através da internet. Que leram no Portuguese Times.

Portuguese Times - Esta sua acção terminou ou é para continuar?
Fátima Martins - A nossa acção inicial tinha uma validade até ao fim de 2000 e como tal a campanha Cidadão 2000 vai encerrar. A missão vai continuar. Estamos no meio de actividades que têm de ser completadas.Encerrei as aulas de cidadania mas já tive de as reabrir, porque fui aproximada [contactada]por um grupo que gostaria de se naturalizar.

Portuguese Times - No momento actual em Cambridge poderia eleger-se um candidato com o peso do voto português?
Fátima Martins - Eu acho que hoje a comunidade portuguesa de Cambridge tem força para eleger um candidato luso. Há no entanto o problema de Cambridge não ser dividida por distritos. Os candidatos são eleitos ao nível da cidade. Somerville está dividida em distritos e suponho que esta cidade deverá ser capaz de elegerum luso-americano primeiro do que Cambridge".

Portuguese Times - A concluir, uma mensagem para a comunidade.
Fátima Martins - A minha mensagem é a mesma que tem sido até aqui. Este [ USA] é o nosso país. Nós viemos para aqui de livre vontade somos pessoas capazes trabalhamos muito mas não temos o reconhecimento político que deveríamos ter pela naturalização e pelo poder de voto. Podemos adquirir esse reconhecimento.
Traz vantagens a nós próprios e a toda a comunidade e dá-nos uma nova apreciação por este país. Ficamos com duas cidadanias e no meio de duas culturas. Somos pessoas de muito mais valor

É-me difícil, emocionalmente, fazer comentários a esta entrevista. Dou conta que todos os estudiosos das questões das migrações se emocionam e “tomam partido”. Poderá ser um erro científico, esse tipo de análise e de estudo? Talvez, mas esse eventual erro científico proporciona uma aproximação aos problemas que deverá ajudar a abrir muitas portas do entendimento humano. Não conheço Fátima Martins, mas penso que devo vir a conhecer. Ela está a ser uma lider dos direitos, levando os portugueses a assumir os direitos e os deveres que as leis americanas lhes proporcionam. Então, cabe a pergunta, porque não os têm usado? Porque esses direitos lhes foram injustamente suprimidos enquanto viveram no seu país de origem, e foi em contacto com outra cultura que se deram conta que faziam parte desse sonho americano porque também ajudam a criá-lo. Mas é preciso aprender essas coisas. E, afinal, não quer toda a gente ir para os Estados Unidos? Não é essa a terra da promissão para todos os potenciais emigrantes? E, afinal, não será apenas o salário e o pouco dinheiro depositado no Banco que os impede de regressar definitivamente a Portugal. Como diz Fátima Martins, quem pertence a duas culturas tornam-se pessoas de muito mais valor.

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